Whatever

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… E as luzes roxas, laranja e às vezes, me parece, pretas… Mas a lógica me diz que não existem luzes pretas na escuridão ou elas não seriam vistas… E também não seriam chamadas de luz e sim de breu… E o som é abafado e o som é preto…
Sinto-me bem enquanto estou parado. Algo me diz que preciso sair daqui… Ir… Embora? Embora para onde? De onde? Agora me movo e noto que minha cabeça dói loucamente, e o pescoço. A cabeça deve ser ressaca, falta de água, álcool de barriga vazia… O pescoço deve ser da posição em que eu estava dormindo. Será que eu estava dormindo ou tinha desmaiado? Será que me carregaram? Que tipo de gente que ajuda um inconsciente o colocaria no chão úmido? Deliberadamente eu desmaiei aqui; agora que me olho no espelho vejo um pouquinho de sangue seco que escorreu do meu nariz… E como o maldito dói! Deixe-me conferir o que mais está errado… Carteira aqui, chaves aqui, roupa úmida… Imagino do quê… É uma judiação o que fazem com essas casas em festas… E a julgar pelo banheiro, essa casa é antiga, grande e bem cuidada… Uma judiação. Belo trinco, porta pesada… Meu Deus, como essa música é barulhenta… Essas luzes de novo… Elas rodam, rodam, rodam… Pelo menos não sinto mais náusea… Será que vão perceber que eu mijei em mim mesmo? Será que esse mijo é meu ou estava no chão?
– Whatever…
Fui eu mesmo que disse isso… Que hábito besta… Mas eu nem sei o que faço mesmo… Quem se importa em apoiar a língua dos dominantes… Será que eu falei isso alto? O pessoal aqui é decadente… Olha essas roupas… Aquela é bonitinha… Ah, chega de lésbicas… Onde foram parar as pessoas normais… Pelo menos as bissexuais… Será que eu falei isso alto? Será que estou sorrindo?
– Whatever…
Esse fui eu, consciente de meu anglicismo vendido… Meu… Como eu vim parar aqui? Essas luzes não param, essa música não para… E as pessoas parecem amontoadas no sofá… Parecem que estão segurando as colunas… Poxa vida, que pessoal estranho… Eu não sou daqui… Onde quer que aqui seja… Meu nariz tá doendo, preciso ir pra casa… Dane-se a carona, eu vou embora… Deve ser por aqui… Será que tem que pagar? Será que eu falei isso alto?
– Whatever…
Ah, uma luz fixa! É ali mesmo… É ali mesmo… Luz amarelada, caseira, igual à da sala da minha casa. Ah, minha casa… Minha cama, desarrumada, mas minha. Não há nada melhor que minha casa…
Música mais baixa, visão mais definida, um vaso. Um vaso! Que divertido, no meio dessa barbárie, dessa putaria sem fim (pelo menos vou descrever assim quando for contar sobre onde vim parar hoje) encontro um vaso com… Trigo? Isso é demais… Essa eu falei alto, sim! Acho que está tudo melhorando – vejamos, onde estou? Bom, fica pra mais tarde, não lembro ainda… Nossa, que hall gigante, não chego nunca à porta… Nossa! Não é a porta de saída, é um elevador! O vaso com trigo está do lado da porta do elevador! Igual no apartamento da minha tia… Hahahaha, isso está ficando fácil… Ai, ai… M… Elevador demorado… Será que esse elevador faz plim quando chega? Não faz. Mas a porta faz vuuuch… Hehehe… Deixa eu entrar aqui e descobrir a quantos andares do chão eu me… Opa! Tem gente do meu lado! De preto como todo mundo aqui… Magra e alta como todo mundo aqui… Magra… É mulher… Mmm… Está entrando comigo no elevador, então deve estar indo embora também. Será? Não custa nada tentar… Acho que o mijo em mim não é meu mesmo… Nossa, que linda… Será que eu disse isso em voz alta?
– Whatever…
Ops, ela me olhou em dúvida… Alguma coisa eu disse em voz alta – que mico!
– Em… Am… Você… (Nossa, como posso pensar, mas não saber nenhuma palavra?) … Eu… (Vou sorrir pra ver se ela nota que estou em dificuldades) … Am… (Ah, que bom, ela sorriu de volta) … Você saberia me dizer… Onde é… Onde fica… A porta de saída? Tipo… (Olha só, ela sorriu de novo, que linda quando sorri) … É que eu, sabe, tô… (Bobo) … meio mal… (Idiota) … Nunca vim aqui! (Ela sorriu de novo! Nossa, vou bater um recorde, vou catar uma mina mijado… Agora o mijo pode até ser meu!)
A porta abriu – será que ela vai me levar pra porta ou me dar uma carona? Eu seguiria esse sorriso até a Vila Carrão… Se é que já não estou na Vila Carrão… Ops, devo ter dito isso alto, porque ela olhou de novo pra mim… Bom, vou segui-la de qualquer forma… Ela tem o andar firme, deve saber a saída…
– Você… Am… Poderia me dar carona? Acho que estou pior do que imaginava…
Que sorriso. Nossa, tá frio.
– Cadê o seu carro?
Precipitei-me. Que carro bonito… Será que não tem nada aqui que não seja preto? E que banco macio melhor que minha cama… Não quero mais sair daqui… E o cheiro dela… Que perfume é esse mesmo? Me lembra Natal… Enfeite de Natal… Era uma pomba de plástico azul clara com sachê dentro… Quero ficar aqui pra sempre…
– Você vai… Pra… Onde?
Adoro o sorriso dela, mas seria o momento de me dar algum tipo de informação…
– Hein? Aliás… Onde é que fica essa casa?
Será que eu pensei isso? Vou perguntar de novo pra me certificar, mas olha que carro – como desliza sobre a rua, que embalo, que cheiro bom, que quentinho aqui… Que silêncio…
Frio nas costas, frio e ardor. Agora um pano branco bem na minha cara. Tudo branco. Cheiro de hospital. Espera aí! Tudo branco, cheiro de hospital… Cadê a sorridente? Será que foi um acidente? Será que estou deformado? Ouço voz de homem. O doutor!
– Ele já estava anestesiado?
Pelo jeito, não! Senti algo nas minhas costas… E agora uma voz feminina, doce… Pomba de sachê de plástico.
– Sim. Não sentirá nada.
Nossa! Não sentirei nada? Isso queima! Muito! Que zumbido é esse? Que frio… Zumbido, frio… Zumbido frio… E as luzes roxas, laranja e às vezes, me parece, pretas… Mas a lógica me diz que não existem luzes pretas na escuridão ou elas não seriam vistas… E também não seriam chamadas de luz e sim de breu… E o som é abafado e o som é preto… Isso queima! Muito!
Será que eu falei isso em voz alta?
– Whatever…

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