Lançamento: 17.12.2005
Produzido por biu
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Maravilhosamente tosco
Às vezes a inversão das expectativas pode ser uma coisa positiva.
Esse CD chegou nas minhas mãos numa noite qualquer. Abri o envelope, uma capa muito boa, numa caixinha daquelas especiais de papel cartão, com um encarte recheado de ótimas ilustrações do desenhista animador Ale McHaddo (autor de A Lasanha Assassina, clássico curta-metragem nacional). Nem precisa dizer que coloquei o CD pra tocar com um ponto a mais, pela boa primeira impressão. Nem precisa dizer também que não gostei da segunda impressão.
“Zzz…”, a primeira do CD, começa com um violãozinho desanimado. Em seguida entra uma voz tosca, desafinada, também desanimada, cantando uma letra mais desanimada ainda: “Se tem algum filme para ver / Mais tarde poderá ser alugado / (…) agora estou muito cansado”. Minha esposa estava comigo. Nós dois nos olhamos, com cara de desânimo e reprovação. Mas como uma das virtudes dos capricornianos é a teimosia, ouvimos a música até o fim.
Ah, se não fosse a minha teimosia!!! Muita gente teria desligado o CD player aí, mas chegamos à segunda música. E a expectativa foi invertida de novo.
“Fênix”, logo de cara a melhor do trabalho, chega com um tapa na cara… uma sonoridade pesada, diferente, uma letra fantástica!! “O meu ódio não dura mais do que só 15 minutos / em breve morre, decompõe-se, não sobram nem os mosquitos”. A melodia de apenas uma nota mostra o que a voz ruim da primeira faixa pode produzir de bom, desde que se tenha criatividade. É a tosqueira jogando a favor. O arranjo é outro destaque. Cada guitarra toca um único acorde numa hora determinada. O cérebro bate tudo num liquidificador e ouve tudo com coerência… Clássico instantâneo!!
“Espantalho” aparece com a responsabilidade da revanche. Será que o cara é mesmo um péssimo cantor? Será que a banda teve só sorte ao fazer uma boa música na segunda faixa? A resposta parece mais obscurecer do que esclarecer: “não”. O vocal é entediado, mas na medida certa pra combinar com a letra, que mostra a vida inerte de um espantalho. A letra dá algumas escorregadas, como rimar “a procurar” com “a esperar”, que eu acho feio porque ninguém fala assim. Mas mostra também sacadas geniais, como “com os braços abertos até a palma da mão”. O charme do arranjo é uma guitarra slide, que contribui pra reforçar o clima da música.
“Funeral” tira todas as dúvidas: T. Greguol, o vocalista da Katarse, não é nenhum Cauby Peixoto (ainda bem), mas tem uma voz legal e mais afinada do que a primeira faixa dava a entender. Quando eu ouço essa música, fico imaginando aqueles desenhos animados dos encartes, todos abraçados, cantando o coro do refrão.
Pulando pra faixa 7, “O Céu” mostra outro grande momento de letra e música. “O céu é meu chapéu / essa bota é o meu chão”: poesia simples, criativa e emocionante. Peguei uma gravação ao vivo dessa música no site da banda, com a platéia cantando junto, e dá pra entender mais ainda a beleza que tem por trás de uma canção aparentemente bobinha.
“Saída” é um samba com caixinha de fósforo, mostrando que da Katarse se pode esperar qualquer coisa. Ótimo. Como você já cansou de ouvir e eu não vou cansar de falar até que as coisas mudem, fechar uma banda em uma embalagem de estilo musical é o primeiro passo pra limitar a criatividade. A Katarse passeia entre vários estilos e tem ainda assim sua cara própria! Tudo que uma banda precisa buscar pra justificar sua existência no mundo.
“Super-herói fora de série” tem um excelente clipe rolando na MTV, dirigido pelo mesmo Ale McHaddo que assinou as ilustrações do encarte. A música é trilha sonora de um filme que mistura live action e desenho animado. Tem também uma letra impagável: “Eu sou o meu próprio arquiinimigo / e o meu super-herói particular”. Assista no site e peça na MTV. Ajudar bandas independentes criativas ajuda a todo mundo.
Lá pelas tantas é que cai a ficha: a bateria de todo o disco mais se parece com percussão do que com propriamente uma bateria, mesmo nas músicas pesadas. E é isso que garante uma sonoridade tão própria da banda, como atesta a claustrofóbica “Tortura nunca dantes catalogada”, que registra os pesadelos de uma insônia noite adentro.
Em “Contando os dias contados”, de Mário Amore (o outro cérebro da Katarse ao lado de T. Greguol), a bela música tocada ao piano tem uma letra que não é cantada. É um conto no encarte pra ser lido durante a execução da faixa.
“Acorda” interrompe o sono leve e gostoso da música anterior com o pé na porta, gritando a todos pulmões: “Acorda! Levanta! E vai se virar!!”. Com a mesma sutileza de meu vô, quando abria a porta pra acordar os netos sábado de manhã às dez. Mas também serve como um toque pros pop-certinhos da vida: Acordem!!! Troquem suas “belas” melodias, seus arranjos de Acústico MTV, seus refrões românticos por CRIATIVIDADE!!
Só aí vocês podem pensar em deixar um trabalho tão marcante quanto este CD de estréia da Katarse.
30*7*2006
Rodrigo EBA!
Informações
Todas as músicas arranjadas por KATARSE. Produzido e mixado por biu. Masterizado por Ricardo Garcia. Gravado por biu e Zé Augusto. Projeto gráfico por T. Greguol, Robson Ribeiro de Lima e Ale McHaddo. Todas as ilustrações por Ale McHaddo. ‘Monstrinho’ é uma criação de T. Greguol. Todas as letras por T. Greguol, exceto “Telutelinho”, por João Paulo C. Riemma e “Tchusté-nigô”, por Mário Amore. Todas as músicas por KATARSE, exceto “Acorda!”, por Vinicius Reale, “Funeral”, por Gui Vianna, “O céu”, por Rto, “Telutelinho”, por João Paulo C. Riemma e “Zzz…”, por Lucas Dimitri.