Dez anos antes ele fora encontrado nos escombros de um incêndio. Acharam que havia sobrevivido por não estar dentro do prédio, mas sim por perto, na hora em que ruiu. Completamente sem memória ele reaprendeu a viver. Agora gerenciava uma floricultura. Após um tempo tentando descobrir quem era, ou melhor, quem fora, resolveu que não importava mais. Sua vida seguia em frente, tendo ele sido correto ou torto. Sentia às vezes que deveria procurar se informar, mas sua vida era boa como estava. Tinha emprego, namorada e as flores o deixavam tranqüilo. Muitos diziam que tinha um dom – conseguia misturar diferentes tipos de plantas e criar os mais belos híbridos.
Agora ele caminha pela rua e tem a impressão de que será abordado. Entra num prédio, acena boa noite ao porteiro e segue em frente. Sobe pelas escadas e ainda ouve passos como os de um cachorro andando na madeira encerada. Os andares vão passando e o esforço é tremendo – já passa do décimo andar, em puro desespero… Algo como uma luz ilumina o canto superior direito de seu olho direito. Dentro dessa luz uma cena acontece: ele próprio mais jovem, mais forte, vestindo uma roupa engraçada. Nas escadas algo agarra seu tornozelo: uma mão velha, algo anfíbio. Ele vira-se assustado; o chapéu da criatura cai, revelando um rosto ou o equivalente a um. Sabia disso por que já soube antes e saberia de novo. Nunca se sentira tão confiante. Com movimentos nunca imaginados ele mata a criatura. Eufórico. Feliz. Realizado. ‘É bom estar de volta… ’, pensa ele enquanto entra pela fenda que abriu no nada usando um zíper científico.