Chá

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– Talvez esta história não lhe agrade, mas foi algo que me ocorreu agora enquanto tomava chá.
– Talvez o cheiro o tenha feito lembrar.
– É possível. No trem em que estava serviam um chá delicioso. Diferente deste, claro. Mas algo me fez lembrar…
– Deixe de rodeios e conte logo a história!
– Está bem! Estava tomando o trem que vai daqui para São Paulo, quando em meio a toda aquela confusão dos passageiros, apitos, senhoras gordas e baixinhas, homens engravatados com maletas executivas, deu-se aqui neste lugar uma cena que sobressaltou minha visão, assim como uma bela dose. Era um casal. Um casal lindo. Ela, com belíssimos traços, cabelos castanhos, olhos escuros, corpo delicado. Ele, um rapaz deveras bem apessoado, cabelos igualmente escuros. Conversavam na plataforma. Eu via algo de especial neles – havia algo de melancólico… Pausa para mais um gole de chá!
– Sim, e então?
– Então, com o passar dos… Minutos?… Segundos? Não sei bem, sabe, foi algo diferente; começaram a ficar com as feições enérgicas, com a fala alterada. Então percebi que brigavam, provavelmente por um motivo tolo – afinal, eram apenas jovens… Nova pausa para acrescentar um gole no chá!
– E então, acabou?
– Não, a cena foi tão marcante que, mesmo depois de o trem partir, fiquei pensando no porquê da briga. Saindo do idílico apaixonado para o nervosismo em tão pouco espaço de tempo… Achei interessante.
– E então?
– E então o quê?
– Já acabou a história?
– Já, oras!
– E…?
Cala-se, olha bem para o companheiro narrador, olha para dentro da xícara de chá, dá com os ombros em tom de descaso. Grande gole no chá quente, que o faz lacrimejar. Dá graças a Deus pela medicina de sua época ser uma porcaria. Logo estaria com os vermes, livre de moribundos nostálgicos apreciadores de Eça de Queiroz.

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