Mês de janeiro, naquele período da primeira quinzena, muitas pessoas de férias. Verão. Calor, chuva. Assim como casas do campo têm a tendência de ser ‘rústicas’, casas de praia tendem a ser coloridas. Essa não era uma exceção. Existem diversas formas de jogar poker, e esses jovens bonitos, saudáveis, com dinheiro suficiente para ter aquela bela e colorida casa de praia estavam jogando uma versão que não envolvia dinheiro, mas sim, bebidas. A bebida boa já tinha acabado e eles estavam entrando no terreno da água ardente. O poker ali deve ser jogado valendo pequenos copinhos de destilados para quem perder. Para vencer geralmente é necessária tática, capacidade estratégica e alguma resistência a álcool. Isso se, nesse caso, vencer seja ganhar o jogo. Os jogadores têm como objetivo fazer a melhor mão. Deixa de beber o jogador que, no fim, fizer a melhor mão ou fizer com que seus adversários desistam de levar as apostas. As apostas acabam caindo para peças de roupa ou beijos ou o que mais as jovens mentes conseguissem concatenar a essa altura. O poker tem uma estrutura básica – os jogadores ‘depositam’ suas promessas de apostas na mesa e as cartas são dadas para cada jogador. Algumas cartas são ocultadas dos outros jogadores, assim como, acham eles, estão ocultas suas intenções. O jogo vai se desenvolvendo e, no fim, vence e leva todas as ‘fichas’ quem tiver a melhor combinação de cinco cartas ou quem for o último jogador que não desistir da mão. Isso tudo eu vejo por uma das enormes janelas da casa colorida. Alguns jogam poker, outros balançam na rede ouvindo a chuva cair. Encolhido no jardim, só de calças, observo esses jovens se divertindo. É engraçado pensar que eu já tive essa idade. Apesar de sermos da mesma geração, nossos interesses são tão diversos. Eles apostam peças de roupas num jogo que nessa idade eles podem considerar como sendo sedutor, ou até mesmo um pretexto para conseguir algo que sem o jogo ou o álcool alguns ali nunca conseguiriam. Isso nessa idade, onde o agora é tão urgente e ao mesmo tempo não importa nem um pouco, afinal esses seres só pensam no que vão fazer depois, depois, depois. Estive de barriga para baixo nesse jardim, na chuva por tanto tempo que sinto meus ombros doendo e os pedacinhos de madeira e pedras já estão incrustados na minha pele da barriga e do peito. Eu era parte desse cenário e é por isso que eles não me notaram – estive ali por horas. Mas acho que já adiei por bastante tempo. É hora de me divertir também. Se eu me movesse rápido, daria na vista e eles entrariam em pânico muito cedo, estragando minha jogada, como um péssimo jogador de poker. Então, aproveitei o estado de excitação, o álcool e a total alegria das férias deles e fui me movendo lentamente para trás. O processo durou por volta de meia hora. Eu me aproximo da porta da frente, todo molhado, com gravetinhos na barriga, dor no ombro, só de calça. Toco a campainha. Toco mais duas ou três vezes até notarem que tem alguém à porta e abaixarem o volume da música. “Tem alguém à porta!” ouço um gritar. A porta se abre subitamente e um jovem de corte de cabelo inexistente me encara surpreso; ao fundo temos mais um ou dois olhando e o resto fazendo o que quer que fosse. Eram dez no total. “Eu quero jogar”, eu disse. O menino que era o dono da casa sorri e arqueja a sobrancelha. Nessa hora eu pensei bem e resolvi que o espírito jovem havia me contagiado. Cansei de jogar tão seriamente o meu jogo. Queria me divertir como eles se divertiam jogando aquele poker errado. Uma coisa que se deve observar nos jovens é que o importante em jogar é se divertir. E é isso que eu queria naquela hora. Não sou muito bom em descrever muitas ações ao mesmo tempo, mas sei que foi um corre-corre. Entrar, bloquear as saídas e agarrar qualquer objeto que pudesse machucar foi fácil, afinal de contas fiquei horas olhando pra dentro da casa colorida, eles mesmos me mostraram tudo à medida em que iam se movendo pela casa enquanto eu os observava. Como disse foi um corre-corre. As meninas gritam bastante, como sempre, mas o que é uma menina delicada comparado a mim. E divertido, porque elas são tão bonitas. Os meninos se dividem entre heróis e covardes. Os heróis são fáceis porque eles se expõem mais, já os covardes fazem o jogo ficar mais chato, pois eu tenho que agachar, forçar portas e tudo mais para o que não acho que tenha mais tanta paciência. Mas no final só tenho a dizer que foi uma festa. De certa forma foi meu recorde de tempo e de ferramentas. Usei apenas uma. Fiquei feliz que não precisei apelas para a obviedade de facas ou fios de pescas tão comuns em casas de praia. Usei um bom e velho pau de pilão. Isso mesmo! Um pilão! Essa casa tinha um pilão gigante de madeira, provavelmente usado como decoração. É impressionante a resistência daquela madeira. Uma das meninas – admito que trapaceei – a empurrei da escada, mas, coitadinha, ela estava zonza com a pancada. Mas assim como no jogo de poker deles, o meu jogo estava aberto a mudanças de regra ao meu bel prazer; afinal de contas… Eu sou jovem também!